sábado, 23 de março de 2013

Casaldáliga diz que temia outro Papa e elogia Francisco




BRASÍLIA - Defensor dos índios e dos direitos humanos, dom Pedro Casaldáliga, bispo emérito de São Félix do Araguaia (MT), disse nesta quinta-feira que foi um “respiro” para a Igreja Católica a eleição do argentino Jorge Mario Bergoglio, um jesuíta, como novo chefe da cúria romana. Para ele, que sempre defendeu uma Igreja pobre voltada para o povo, o nome Francisco é “mais que um nome”.

Aos 85 anos, Casaldáliga vive em uma casa simples no interior de Mato Grosso. É ativo intelectualmente apesar das limitações físicas imposta pelo mal de Parkinson ( doença neurológica). Ontem, acompanhou o anúncio pela televisão temendo a escolha de um Papa mais conservador. No o pontificado de João Paulo 2º, o bispo emérito do Araguaia foi punido por sua atuação progressista.- Eu temia outro ( Papa) . A escolha significa mudança na pessoa do Papa. Evidentemente, o Papa sozinho não é a Igreja, mas é responsabilidade de todos – disse Casaldáliga, por telefone.

Casaldáliga espera que o novo Papa adote medidas importantes. Ele elogiou a simplicidade do sucessor de Bento XVI, o espírito evangelizador e simbolismo do primeiro gesto ao se inclinar diante do povo, que o aguardava na Praça de São Pedro, em Roma.

- Ele pediu primeiro para o povo abençoar a ele, para depois abençoar o povo. É um estilo diferente – disse.

No entanto, também lembrou que paira o “tempo sombrio” da Igreja argentina no período da ditadura, em que se reclama da omissão a um regime sangrento. Esperançoso com mudanças na cúria romana, ele defemde uma Igreja voltada para os pobres, solidária na defesa dos direitos humanos, dos povos indígenas e dos negros.

Casaldáliga, que também é poeta, escreveu “ Deixe a Cúria, Pedro”, que foi lembrado por Leonardo Boff para reflexão pós renúncia de Bento XVI. No texto, critica a cúria romana e a “legião de mercenários”, pede mais atenção aos fiéis, uma Igreja mais simples e perto do povo.

“O povo é apenas um “resto”, um resto de esperança. Não O deixe só entre os guardas e príncipes. É hora de suar com a Sua agonia, É hora de beber o cálice dos pobres e erguer a Cruz, nua de certezas, e quebrar a construção – lei e selo – do túmulo romano, e amanhecer a Páscoa”, diz um trecho do poema. 

quarta-feira, 20 de março de 2013

Entrevista com Leonardo Boff sobre novo Papa: "Será a primavera depois de um longo inverno"



Ele se encontrou pessoalmente com o cardeal Jorge Mario Bergoglio apenas uma vez, nos anos 1970, durante um retiro espiritual. Mas, o brasileiro Leonardo Boff, um dos fundadores da Teologia da Libertação, coloca muitas esperanças no novo papa. Ele vê nele o vento da "primavera", que desfaz o "frio inverno da Igreja". E a arrasta ao terceiro milênio. "Ele sempre esteve do lado dos pobres e dos oprimidos, como nós, teólogos da libertação". E isso lhe basta. Não se importa com a marca e não acredita na cumplicidade com a ditadura militar.


A reportagem é de Eleonora Martini, publicada no jornal Il Manifesto, 15-03-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.


Eis a entrevista.
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‘Será a primavera depois de um duro inverno’
Por Eleonora Martini

Que homem é Jorge Maria Bergoglio e que papa será Francisco?
Boff: Para mim, o importante agora não é o homem, mas sim a figura de um papa que escolheu se chamar Francisco, que não é apenas um nome, mas sim um projeto de Igreja. Uma Igreja pobre, popular, que chama todos os seres da natureza com as doces palavras de "irmão" e "irmã". Uma Igreja do Evangelho, distante do poder e próxima das pessoas.

Em sua opinião, o cardeal Bergoglio tem as cartas certas para trazer essa renovação à Igreja?
Boff: Francisco recebeu em São Damião esta mensagem: reconstruir a Igreja que está em ruínas. Hoje, estamos em um rigoroso inverno, e o próprio castelo que os dois últimos papas criaram está em ruínas. E agora um novo papa vem de fora dos muros de Roma, quase dos confins do mundo, como ele mesmo disse, externo àqueles círculos de poder. E eu acredito que, acima de tudo, ele trabalhará internamente à Cúria para resgatar a credibilidade da Igreja, manchada pelos imbróglios, pelos escândalos dos pedófilos e do banco vaticano... E depois fará uma abertura ao mundo moderno, porque tanto Bento XVI quanto João Paulo II interromperam o diálogo com a modernidade.

É um erro renunciar a entender e a dialogar com a cultura moderna. Difamá-la e considerá-la como puro relativismo e secularismo, não reconhecer os seus valores, é uma blasfêmia contra o Espírito Santo. As pessoas buscam uma verdade mais rica e mais ampla do que aquela da qual a Igreja acredita ser a portadora exclusiva. Ao contrário, a sua postura é de poder. Enquanto o sentido evangélico do papado é unir os fiéis cristãos na fé, no curso da história, ao invés, criou-se uma monarquia absolutista que pensa nas coisas em uma perspectiva jurídica. Esse papa logo disse que quer presidir a Igreja na caridade. Esse é o sentido da mais antiga tradição da função de Pedro. Penso que esse papa é o novo rosto da Igreja, humilde e aberta, que pode trazer a experiência do"Grande Sul", onde vivem 70% dos católicos.

A experiência latino-americana, em particular?
Boff: A nossa Igreja não é mais o espelho da Igreja europeia. É uma Igreja fonte, que desenvolveu um rosto e uma teologia próprias, uma pastoral com raízes nas culturas locais. Franciscotrará essa vitalidade à Igreja universal, para acabar com o inverno rigoroso e entrar em uma perspectiva de primavera. Bergogliooferece essa esperança, e a promessa de que o papado possa ser vivido de forma diferente.

Nos anos 1970, o jesuíta Bergoglio, segundo alguns observadores argentinos, teve uma atitude controversa com relação à ditadura militar. É ainda mais compartilhada a opinião segundo a qual ele é avesso à Teologia da Libertação. Qual é a sua opinião?
Boff: Recentemente, Pérez Esquivel desmentiu que Bergoglio fosse cúmplice da ditadura argentina, explicando que, ao invés, ele salvou muitos perseguidos pelo regime militar. O que é certo é que ele sempre tomou a posição dos pobres e dos oprimidos, também no seu estilo de vida: é uma pessoa simples que viaja de ônibus, que vive em um pequeno apartamento, cozinha sozinho... Vem do povo, e se vê isso também na sua ação pastoral. No YouTube, há um vídeo muito bonito de Bergoglioque fala da dívida que todos temos para com os pobres, porque a desigualdade é fruto de uma sociedade antiética e antihumana. E a marca registrada da Teologia da Libertação é a opção pelos pobres e contra a pobreza.

Mas mesmo assim ele é filósofo, teólogo, reitor universitário. Segundo alguns especialistas, pode-se dizer que ele é muito distante ao menos daquela teologia da libertação de marca marxista.
Boff: Essa é a versão das ditaduras militares que sempre caluniaram a Teologia da Libertação. Que, depois, foi aceita por Ratzinger como uma forma de teologia [por exemplo, nomeando em 2012, como prefeito da Congregação para os Religiosos, o arcebispo brasileiro João Braz de Aviz, e, como chefe da Doutrina da Fé, Gerhard Ludwig Müller, ambos muito abertos à Teologia da Libertação, n.d.r.]. Mas nunca tomamos Marx como padrinho da Teologia da Libertação. Eu mesmo não sou marxista. E nunca existiu uma Teologia da Libertação marxista. O movimento da Teologia da Libertação, além disso, nunca foi forte na Argentina, onde, ao invés, desenvolveu-se uma teologia própria, encarnada na cultura popular local. Não se pode dizer que Bergogliofosse contra esse tipo de teologia.

Como teólogo, porém, Bergoglio nunca reconheceu o valor do movimento da Teologia da Libertação, não é mesmo?
Boff: Ele é jesuíta e, como tal, possui uma ótima formação intelectual. Depois, estudou na Alemanha, como eu. Por isso, é também muito aberto intelectualmente. Mas eu não me importo com o título "Teologia da Libertação". Ao contrário, me importa qual atitude se opta por ter diante dos pobres e dos oprimidos do mundo. Bergoglio está do nosso lado. A nossa Igreja latino-americana tem muitos mártires: Oscar RomeroEnrique Angelelli, muitos colegas meus que foram sequestrados e assassinados durante a ditadura. Eles não tinham uma ideologia na cabeça, mas sim um certo tipo de atitude com as favelas, com os bairros, com os pobres. E isso é importante. Que nome damos a tudo isso, não importa.

Francisco de Assis enfrentou o advento da economia monetária na época em que, na Itália, nasciam as primeiras comunas, prospectando uma visão de mundo diferente. O senhor acredita que, do mesmo modo, o desafio do Papa Francisco também é o de repensar, na fase atual, a relação da Igreja com o sistema capitalista?
Boff: Eu acho que, como dizia o historiador inglês Arnold Toynbee, no tempo de São Francisco, depois do caos do Império Romano que introduziu a moeda –estamos nos albores do sistema capitalista–, simultaneamente, apareceu a oposição. Francisco era uma pessoa antissistema. Justamente Ratzinger, em um artigo famoso, disse que São Francisco –que viveu no tempo do Papa Inocêncio III, que foi o imperador talvez mais rico de toda a história cristã– era o contraponto. Ele vivia uma resistência profética, sem fazer nenhuma crítica oral, mas percorrendo um caminho evangélico alternativo. Esse é o ensinamento de São Francisco, no plano do viver, o viver sem títulos sobre a terra e não em posições de poder. Francisco não era padre, era um leigo. E nós esquecemos isso. Com a figura de Francisco, esse papa assume todo um conjunto de valores: valoriza os leigos e os movimentos populares. Algo muito importante, porque o tema central do mundo agora não é a Igreja, mas sim o futuro da vida, o peso do ser humano. Ora, para mim, a pergunta é o que a Igreja Católica faz para ajudar a humanidade a sair dessa crise, que pode ser determinante. Francisco pode ser o papa do fim do mundo, porque construímos uma máquina de morte que pode destruir tudo. Para mim, a mensagem de São Francisco é a único que pode nos arrastar para o terceiro milênio: ou a tomamos, ou vamos rumo ao fim.

Mas o poder temporal da Igreja, o sistema do Estado vaticano podem se libertar da sujeição ao capitalismo?
Boff: Eu acho que é inútil pensar em uma reforma do sistema capitalista, que já deu tudo o que podia dar e chegou ao fim. É preciso ir rumo a outro paradigma, para um "bien vivir", como dizem os índios latino-americanos. É preciso superar a dimensão temporal, política, do Vaticano, uma monarquia absolutista do passado. É preciso renunciar às nunciaturas, utilizar os bancos éticos, descentralizar a Igreja. Por que o dicastério das missões não pode ficar na Ásia? Por que o dos direitos humanos e da justiça não pode vir para a América Latina? E por que o do diálogo intereclesiástico não vai para Genebra, juntamente com o Conselho Mundial de Igrejas? Essa descentralização já foi pensada noConcílio Vaticano II. Os últimos dois papas esvaziaram essa instância de funcionalidade da Igreja e foram rumo à centralização do governo. Na base social desse tipo de Igreja, há grupos fundamentalistas como o Opus Dei, Comunhão e Libertação, os Cruzados do Evangelho.

Portanto, o fato de ter preferido Bergoglio com relação ao cardeal brasileiro Odilo Scherer, membro da Comissão Cardinalícia de Vigilância do IOR, é um sinal muito importante?
Boff: Graças a Deus, Scherer –que era o candidato da Cúria Romana, um conservador com uma autoridade muito forte– não é o novo papa.

No entanto, o cardeal Bergoglio ficou marcado na Argentina pela sua campanha contra as uniões homossexuais.
Boff: Até agora, ninguém na Igreja podia se afastar dessa visão de mundo. Ele, no entanto, há alguns meses, permitiu que um casal homossexual adotasse uma criança. Isso significa que não é uma pessoa inflexível. Agora, pode abrir uma discussão ampla sobre o celibato, sobre a sexualidade, sobre a reintrodução dos padres casados. Porque a Igreja tem uma crise institucional tremenda, não pode ser uma ilha sozinha no meio do mar.

Qual é o bem comum da Igreja Católica?
Boff: É a tradição de Jesus, o amor incondicional. Unir os dois polos: o Pai nosso com o nosso pão. Isto é, abrir-se à transcendência e preocupar-se com quem têm fome e necessidade. Só assim pode-se dizer amém.

[Fonte: IHU-Unisinos]

sábado, 16 de março de 2013

Francisco e a Igreja


Pe. Alfredo J. Gonçalves
Assessor das Pastorais Sociais
Adital


Francisco representa a Igreja dos pobres. Igreja que à riqueza e ao luxo, aos títulos e à pompa, dá preferência a uma sincera simplicidade. Que se comunica com o povo e com o mundo não numa linguagem acadêmica, sofisticada e desconhecida, mas com gestos e palavras populares e acessíveis ao mais simples dos mortais. E que, por isso, confere um novo sabor à Palavra de Deus e à Boa Nova de Jesus Cristo, onde o Verbo se faz carne, presença viva e ativa, olhar que penetra e ama, consola e reaviva.


Assim fez o pobre de Assis. Sua pobreza e sua nudez, como a de Jesus de Nazaré, interpela as vestimentas bordadas a ouro e prata de tantos sacerdotes, templos e religiões. Sua acolhida aos leprosos e abandonados, como a do profeta itinerante do Evangelho, questiona a insistência na construção de fortalezas e palácios inacessíveis. Sua mensagem lúcida e límpida, viva e alegre, como as parábolas do Reino, se revestem de beleza e poesia sem par. Água cristalina diante da sede crescente de encontro com o outro e com o totalmente Outro.

No momento em que boa parte da Igreja insistia em aliar-se ao poder temporal, Francisco surge como um pobre servidor, lembrando o gesto do lavapés na última ceia, seguido da oração sacerdotal. Quando trono e altar pareciam dar-se as mãos, através da espada e da cruz, Francisco canta e louva o Criador na singeleza dos pássaros e das flores, dos astros e das águas, das árvores e dos frutos, a exemplo do homem de Nazaré.

Contemporâneo de uma Igreja que combate furiosamente os infiéis e os hereges, Francisco chama a todos e a tudo de irmão e irmã, seguindo o Mestre que prega o amor aos inimigos. Enquanto os tribunais eclesiásticos acedem fogueiras para queimar os pecadores, em boa parte mulheres, o pobre de Assis lhes vai ao encontro, consciente de que Jesus oferece o perdão todas as Marias e Madalenas Josés e Antonios arrenpendidos. Numa época onde predominava o obscurantismo, o medo e o pecado, Francisco renova sobre a sociedade medieval o olhar terno, puro e doce do Filho de Deus.

Tempos difíceis, em que a própria Igreja se envolve em conflitos e guerras, Francisco se faz instrumento da paz, com os olhos fixos na palavras da Sagrada Escritura. Quando as trevas do ódio parecem tomar conta dos corações e das almas, o pobre de Assis se faz poeta e mensageiro da luz do amor. E se o desespero cobria o céu como nuvem ameaçadora, Francisco era o portavoz de uma nova esperança. Andarilho da palavra e do gesto que nutre os corpos encurvados, os espíritos abatidos e os corações desesperançados.

Um filho da burguesia nascente que, com ousadia, coragem e profetismo, deixa a própria casa e os familiares para lançar-se nas pegadas de Jesus e dos pobres. Ousadia que levanta sérias interrogações a quem, nos dias de hoje e mesmo dentro da Igreja e dos Institutos ou Movimentos Religiosos, segue exataemnte o caminho inverso. Coragem que desafia um retorno às fontes genuinamente evangélicas, numa verdadeira "fidelidae criativa”. Profetismopara reavivar a "opção preferencial e evangélica pelos pobres” numa enocomia globalizada que, ao mesmo tempo, concentra e exclui, produz simultaneamente riqueza e miséria, ostentação e fome, mansões e casebres.

quinta-feira, 14 de março de 2013

Os Franciscos brasileiros





 Zé Geraldo

Agora que o primeiro papa latino americano teve a inédita iniciativa de escolher o nome daquele que Leonardo Boff costuma chamar o primeiro depois do Único, é preciso lembrar também que o Brasil é uma mãe que criou muitos Franciscos.

Dentre eles, é possível citar três grandes ícones da Igreja Católica que, apesar de não trazerem o nome Francisco na certidão de nascimento, doaram a vida pelos menos favorecidos, assim como aquele de Assis. Dom Helder Câmara, Dom Paulo Evaristo Arns e Dom Pedro Casaldáliga são os mais genuínos exemplos da unidade entre a fé e a ação libertadora em favor dos pobres.

Todos eles foram lideranças combativas contra a sanguinária ditadura que, assim como na Argentina, manchou longos anos da história. Embora ameaçados, coagidos, nunca cederam a tentação do silêncio e sempre estiveram prontos a mobilizar e fortalecer todos que acreditavam ser possível livrar o país dos tiranos fardados e buscar incessantemente a inclusão social dos pobres.

Conhecido como Bispo Vermelho, Dom Helder Câmara desejava uma Igreja mais participativa, orientada para a defesa dos pobres e a favor dos movimentos sociais. Depois do golpe militar, após um primeiro período de convivência pacífica com o exército, ao ver a violação brutal dos direitos humanos com a caça aos chamados comunistas, dom Helder passou a atuar em defesa dos presos políticos e contra a tortura no Brasil. Depois de afastado da arquidiocese viveu até o fim dos seus dias de maneira simples e franciscana. Costumava dizer que "Quando dou de comer aos pobres, chamam-me santo, quando respondo por que é que os pobres têm fome - chamam-me comunista".

Simples e combativo, Dom Paulo Evaristo Arns foi um incansável defensor dos direitos humanos no Brasil, principalmente durante a ditadura. Defendeu também os líderes sindicais nas greves, apoiou a campanha contra o desemprego e o movimento pelas eleições diretas. Sua luta em defesa dos direitos dos pobres e pelo fim da desigualdade social lhe valeu dezenas de prêmios no mundo.  Apoiou fortemente o grupo Tortura Nunca Mais e foi um dos escritores do livro “Brasil: Nunca Mais”, um doloroso relato da repressão e tortura no Brasil. Sempre entendeu que a Igreja deveria fazer a opção preferencial pelos pobres e oprimidos.

Nada possuir, nada carregar, nada pedir, nada calar e, sobretudo, nada matar”, esse sempre foi o lema de Dom Pedro Casaldáliga. Nascido na Espanha, mas radicado no Brasil, Casaldáliga sempre foi um defensor das minorias e por isso foi várias vezes ameaçado de morte. As últimas ameaças foram no final do ano passado e no início deste ano e se deram em função da defesa que o bispo faz do povo xavante na retomada da terra indígena Marãiwatsèdè. Durante o regime militar, foi alvo de processos de expulsão do Brasil. É considerado uma das principais vozes dos índios, dos sem terra e dos mais pobres.

Além desses três ícones da Igreja Católica, dois outros Franciscos merecem ser lembrados. Um nasceu em Minas Gerais e dedicou sua vida para atender a todos que o procuravam, pobres ou não. Autor de verdadeiros best-sellers, Francisco Cândido Xavier direcionava tudo que recebia com a venda dos livros para obras de caridade. Seus hábitos franciscanos de viver marcaram toda a sua trajetória até o fim da vida.

Por fim, não dá pra falar de Franciscos que dedicaram a vida às causas dos pobres sem falar de um Chico: Chico Mendes. O seringueiro, reconhecido mundialmente pela defesa da floresta e de seus povos, indignou-se com as condições de vida dos trabalhadores e dos moradores da região amazônica e tornou-se um líder do movimento de resistência pacífica. 

Assim como Francisco de Assis, todos optaram por uma forma de luta baseada no amor e na paz. Sem nenhum gesto de violência ou arrogância e nenhum vestígio de ódio.

Cada um a seu jeito, demonstrou o que é ser, de fato, um Francisco.

"Acabou o complexo de vira-lata"


terça-feira, 12 de março de 2013

Leonardo Boff fala sobre Deus

Kennedy Alencar entrevista Leonardo Boff


Primeira parte


Segunda parte


Terceira parte



Algumas frases ditas por Leonardo Boff nesta entrevista:


"A teologia da Libertação é a tentativa de fazer do Cristianismo, não uma força de resignação, de aceitação da miséria do mundo, mas uma força de mobilização a favor do pobre e contra a sua pobreza, na direção da Justiça e da vida."

"Nós somos herdeiros de um prisioneiro político, que ressuscitou. E a ressureição como insurreição quanto a situação desse mundo."

"Não existe Teologia da Libertação sem uma articulação com os movimentos sociais."

"O Cristianismo tem que ser bom também para esse mundo, não somente para a eternidade."

"Sem Paulo Freire não haveria a Teologia da Libertação. Porque não basta uma teologia, tem que ter uma pedagogia."

"O celibato não pode ser uma lei imposta."

"O celibato é uma invenção eclesiástica, não está no evangelho."

"Ele (Bento XVI) escreveu uma encíclica sobre o amor, mas sem amor."

"Apresentam um Cristianismo que é um pequeno lexotan, pra acalmar as pessoas, não pensar nas desgraças do mundo, cantar, fazer a aeróbica de Deus, como se não houvesse compromisso, desafio da justiça, pobreza, humanidade sofredora. É um cristianismo que não tem nada a ver com o evangelho e tudo  a ver com os negócios."

"Todo movimento carismático tem uma coisa positiva, que liberta o Cristianismo daquele peso da cruz, e descobre alegria."

"Para mim o resumo da mensagem de Jesus é o Pai Nosso. Onde diz Pai Nosso, aí é alegria, festa, mas também diz pão nosso que é duro de ser conquistado e falta para a maioria da humanidade. Então os carismáticos só falam do pai, dançam, cantam, o Pai é isso é aquilo, nunca falam de pão nosso. Nós temos que unir Pão Nosso com Pai Nosso para poder dizer amém."


"Muitas religiões querem fazer as pessoas mais religiosas, quando a intenção das religiões e de Jesus é fazer as pessoas mais humanas, mais sensíveis, mais solidárias e como resultado a felicidade."

"Se Deus existe como as coisas existem, então ele não existe. Porque Deus não é do mundo das coisas que eu verifico, ele é o fundamento, aquele que suporta, que permite que as coisas existam.
Não é razão que sente Deus. É o coração que sente Deus."

"A velhice é a última oportunidade para darmos o toque final a estátua que talhamos de nós mesmos."

"Uma coisa que eu sempre admiro em Lula é isso. A sua fidelidade as suas origens. Ele sempre foi pobre e nunca esqueceu os pobres."








A igreja e o véu da virtude



Frei Betto
Escritor e assessor de movimentos sociais
Adital

Nos próximos dias a Igreja Católica terá novo papa. Até que ele seja eleito, os cardeais de 48 países estão reunidos em Roma debatendo, com certeza, os motivos que levaram Bento XVI a renunciar.

Para a opinião pública, um gesto corajoso de humildade, sobretudo nesses tempos em que muitos políticos se julgam imortais e não concebem viver fora do poder. É o caso de Berlusconi, na Itália, que de novo busca ser primeiro-ministro, e de tantos políticos aqui no Brasil, acostumados a lotear a República e a tratar ministros e chefes de autarquias indicados por eles assim como um latifundiário trata seus capatazes.

A Igreja é uma instituição de origem divina, mas formada por seres humanos que, a cada dia, devem orar "perdoai as nossas ofensas... e não nos deixeis cair em tentação.” Mas caem, e provocam escândalos, como os sucessivos casos de pedofilia.

Quem conhece a história da Igreja sabe quantos abusos e crimes foram cometidos por ela em nome de Deus. Para citar apenas o caso do Brasil, durante o período colonial bispos e padres se mostraram coniventes com a escravatura; a Inquisição caçou e cassou suspeitos, conduzidos daqui à prisão e à fogueira em Portugal; e a expressão "santo de pau oco” evoca o contrabando de ouro e diamante recheando as imagens devocionais levadas pelos clérigos ao exterior.

O ser humano padece de duas limitações intransponíveis: prazo de validade (todos haveremos de morrer) e defeito de fabricação (trafegamos entre luzes e sombras). É o que a Bíblia chama de pecado original.
Ao transpor sua origem divina ao caráter da instituição, a Igreja comete o erro de tentar cobrir com o véu da virtude os frutos do pecado. Por que chamar o papa de Sua Santidade se até ele é pecador e roga pela misericórdia de Deus? Por que qualificar de "sagradas” as congregações do Vaticano que atuam como ministérios de uma monarquia absoluta?

Quanto maior a altura, maior o tombo. O véu da virtude rasgou-se diante dos escândalos de pedofilia mundo afora e, nesses dias, com a revelação da rede de prostituição que opera em Roma para oferecer serviços sexuais de seminaristas.

Nada disso diminui o mérito de tantos membros da Igreja Católica que dão as suas vidas para que outros tenham vida, como é o caso dos bispos Pedro Casaldáliga, Paulo Evaristo Arns, José Maria Pires, e inúmeros padres e religiosos(as) que, despojados de ambições e conforto, se dedicam aos doentes, aos mais pobres, aos dependentes químicos, aos encarcerados.

O grave é a Igreja não se abrir ao debate às candentes questões que concernem à condição humana. "Nada do que é humano é estranho à Igreja”, dizia o papa Paulo VI. Infelizmente não é verdade. Criou-se em torno da sexualidade uma espessa cortina fechada pelo cadeado do tabu e do preconceito.
Embora na prática o tema seja debatido no interior da instituição eclesiástica, mas a rigor está oficialmente proibido colocar em questão o celibato obrigatório; a ordenação de mulheres; o uso de preservativos para evitar aids e outras doenças; a sexualidade por prazer (e não para procriar); o aborto em situações singulares; a união de homossexuais etc.

O novo papa não poderá fugir dessas questões, sob pena de ver a Igreja se esvaziar ou seguir convivendo com a hipocrisia de uma moral contida na doutrina em contradição com a moral vivida pelos fiéis.
Além de despir-se do véu da virtude, a Igreja deveria se perguntar que sentido faz o papado proclamar que a Igreja não se mete em política e, no entanto, o Vaticano arvorar-se em Estado soberano, com representação na ONU e núncios como embaixadores em diversos países.

O papa merece ser apenas o pastor dos fiéis católicos, o bispo de Roma que serve de parâmetro à comunhão universal na fé, e não um monarca absolutista com poderes de intervenção em todas as dioceses do mundo.

O Concílio Vaticano II propôs à Igreja um governo colegiado, o que não foi implementado por Paulo VI nem aceito por João Paulo II e Bento XVI. A mosca azul parece picar também o papado.

Essa "embriaguez da vitória”, como dizia Toynbee, fez com que a cegueira impedisse o pontífice de evitar a corrupção no banco do Vaticano; o vazamento de documentos sigilosos na Cúria Romana; a traição de seu mordomo; e tantos outros escândalos que, agora, arranham profundamente a imagem da Igreja.

Jesus não se fez acompanhar por um grupo de perfeitos ou santos. Pedro o negou, Tomé duvidou, Judas traiu, os filhos de Zebedeu ambicionaram o poder temporal. Nem eram todos castos e angélicos. No primeiro capitulo do evangelho de Marcos consta que Jesus curou a sogra de Pedro. Se tinha sogra é porque tinha mulher. Nem por isso deixou de ser indicado como líder da comunidade de apóstolos.

Quem caminha sem salto alto tropeça menos. É hora de o papa calçar as sandálias do pescador, abdicar dos títulos honoríficos herdados do Império Romano e assumir, em colegiado com os cardeais de todo o mundo, o mais evangélico de todos os seus títulos: servo dos servos de Deus.

segunda-feira, 11 de março de 2013

BREGA?





O que um arranjo e uma boa interpretação podem fazer com uma música...




Não aprendi dizer adeus - Luiza Possi



Geraldo Azevedo - As quatro estações (Reginaldo Rossi)



Zeca Baleiro - Eu, você e a praça (Odair José)



Zé Ramalho - Era domingo (Reginaldo Rossi)



Rita Ribeiro - Impossível acreditar que perdi você (Márcio Greyck)



Caetano Veloso -Você não me ensinou a te esquecer (Fernando Mendes)




Flávia Bittencourt - Mar de Rosas (The Fevers)




Lenine - A raposa e as Uvas (Reginaldo Rossi)




Tiê - Você não vale nada mas eu gosto de você






sábado, 9 de março de 2013

Chávez e a multidão vermelha


Chávez: multidão vermelha faz história


Por Rodrigo Vianna, direto de Caracas, no blog Escrevinhador:

A multidão nas ruas nem sempre é boa medida para avaliar um sistema político. Existem as multidões enfurecidas, as multidões conduzidas por ditadores. As multidões amorfas.

Acima, vemos a multidão vermelha que tomou as ruas de Caracas para se despedir de Chávez. Do alto, imagem que impressiona. Mas é preciso baixar à rua e olhar a história da América Latina para compreender de que multidão se trata.

De táxi, eu tentava me aproximar do Forte Tiúna – sede do comando das Forças Armadas da Venezuela, onde ocorre o velório de Hugo Chavez. O motorista que me conduzia olhava a multidão nas ruas e dizia: “quanto estão pagando a essa gente para vir até aqui?”. Ah, os taxistas…

Desci do carro, segui a pé com o cinegrafista Josias Erdei. Multidões desciam dos morros. Mães com crianças de colo, homens jovens de mãos dadas com as mães já alquebradas pelas idade, pais conduzindo famílias inteiras pelas ruas. Tristeza, sim, mas sem desespero. E os gritos: “Chávez vive, la lucha sigue”.

Essa é a multidão da democracia, tantas vezes pisoteada na América Latina. Pisoteada no assassinato de Gaitán na Colômbia em 1948, no suicídio de Vargas em 54, nos golpes militares do Cone Sul dos anos 60 e 70. A multidão vermelha de Caracas é a mesma que baixou dos morros, em 2002, e garantiu o mandato de Chávez. Os golpistas tinham as televisões, os empresários, a classe média. Chávez tinha o povão. Ou seria o contrário: o povão tinha Chávez, e dele não abriu mão.

É preciso lembrar sempre: a multidão precede Chávez na história da Venezuela. Não foi Chávez que inventou a multidão, mas ao contrário: a multidão é que inventou Chávez.

1989. O governo neoliberal venezuelano anuncia um aumento geral de tarifas. A multidão, sem líder, sem controle, põe fogo em Caracas. O Caracazo era o sintoma de que a multidão retomava o fio da história que os idiotas neoliberais imaginavam extinto.

A multidão do Caracazo gerou o Chávez de 92: líder de uma rebelião frustrada. Depois, viria a vitória chavista nas urnas em 1998. E um governo sustentado pela multidão. Sempre.

Chavez é filho da multidão, por mais que dezenas de pessoas com as quais conversei nas ruas de Caracas tendam a ver o contrário: “era como um pai para nós”. Ah, a eterna necessidade humana de se proteger à sombra de um pai poderoso e justo. Mas quantas vezes são os filhos que – sem perceber – conduzem os pais!

A multidão vermelha de Caracas tem o fio da história nas mãos. Vejo cenas emocionantes nas ruas: gente que chora ao falar o nome de Chávez. E um bordão que se repete, mas que não se desgasta: “Chávez somos todos nós, Chávez é a multidão”.

Na fila que passa lentamente ao lado do caixão, senhoras desesperadas se debruçam, fazem o sinal da cruz. Soldados fardados batem continência. Mas às vezes tudo se inverte: o soldado chora, e mulheres batem continência ao “comandante”.

O taxista do começo do texto, coitado, faz parte de um outro mundo. Preso à lógica mercantil, acredita que as pessoas só se movem quando são “pagas”. Mas a multidão de Caracas se move por outros caminhos. A multidão de Caracas parece disposta a conduzir o fio da história.

Discursos derramados na TV. E de repente o aviso (chocante para mim, confesso) de que Chávez será “embalsamado”. Que apego à figura do líder! Chávez, preso numa urna de cristal, não pode fazer nada. É apenas uma alegoria – algo fantasmagórica – num país em que a história se escreve pela multidão: em 89 no Caracazo, em 2002 na reação ao golpe, em tantas e tantas eleições… E agora também na despedida do líder.

Dia seguinte, sexta-feira: a multidão interrompe sua lenta caminhada ao largo do saguão onde ocorre o velório. Agora são os chefes de Estado que prestam homenagem a Chávez. Simbolicamente, Nicolás Maduro ergue uma réplica da espada de Bolívar. E a deposita sobre o caixão.

Bolívar conduzia a multidão. Chávez foi conduzido por ela. A multidão vermelha de Caracas faz história.

terça-feira, 5 de março de 2013

Dois mil teólogos progressistas enviam manifesto aos cardeais




Veja o manifesto enviado por teólogos da libertação ao pré-conclave

Documento assinado por teólogos como Leonardo Boff e o bispo d. Pedro Casaldáliga começou a ser elaborado em outubro do ano passado, simultaneamente na Europa, América Latina, EUA e Canadá. Texto diz que “Cúria Romana necessita de uma reforma mais radical baseada nas instruções e na visão do Vaticano II”. 


Já chega a duas mil as adesões de teólogos católicos de todo o mundo ao documento publicado por ocasião dos 50 anos do Concílio Vaticano II e cuja redação final está sendo encaminhada aos 115 cardeais que, a partir de segunda-feira (4), começam a escolher o sucessor do papa Bento XVI. 

O manifesto começou a ser elaborado em outubro do ano passado, simultaneamente, na Europa, na América Latina, nos Estados Unidos e no Canadá. Entre os seus autores, estão incluídos Leonardo Boff e o bispo d. Pedro Casaldáliga. 

O contexto de sua publicação (concebida em meio a uma grave crise na Igreja, poucos meses antes da renúncia de Bento XVI) reforçou a decisão dos teólogos de enviá-lo aos cardeais eleitores. Esta é a íntegra do documento:

"Muitos ensinamentos do Concílio Vaticano II não foram concretizados ou apenas parcialmente traduzidos na prática. Isto é devido à resistência de alguns ambientes, mas também sobretudo, em certa medida, à não resolvida ambiguidade de alguns documentos conciliares. Uma das principais causas da estagnação moderna depende do não entendimento e dos abusos no exercício da autoridade na nossa Igreja. De modo concreto os seguintes temas exigem uma urgente reformulação.

O papel do Papado necessita de uma clara redefinição baseada nas intenções de Cristo. Como supremo pastor, como elemento unificador e principal testemunha da fé, o Papa contribui de modo essencial para o bem da Igreja Universal. Mas a sua autoridade não deveria obscurecer, diminuir nem suprimir a autentica autoridade que Cristo deu diretamente a todos os membros do Povo de Deus.

Os bispos são vigários de Cristo e não vigários do Papa. Eles possuem a responsabilidade direta sobre o povo de suas dioceses e uma responsabilidade compartilhada com os outros bispos e com o Papa, do âmbito da comunidade universal da fé.

O Sínodo central dos bispos deveria assumir um papel mais decisivo no planejamento, na orientação e no crescimento da fé em nosso mundo tão complexo.

Concilio Vaticano recomendou a colegialidade e a corresponsabilidade em todos os níveis. Isto não foi transformado em ação. Os vários organismos presbiterais e conselhos pastorais previstos pelo Concilio, deveriam envolver os fiéis de modo mais direto nas decisões relativas à doutrina ao exercício do ministério pastoral e à evangelização no âmbito da sociedade secular.

O abuso de preencher os postos de guias da Igreja apenas com candidatos com uma determinada mentalidade é algo que deveria ser eliminado. Em vez disto, deveriam ser formuladas e monitoradas novas normas assegurando que as eleições para estas tarefas sejam conduzidas de modo correto, transparente e o mais democrático possível. 

A Cúria Romana necessita de uma reforma mais radical baseada nas instruções e na visão do Vaticano II. A Cúria deveria limitar-se aos seus úteis papéis administrativos e executivos.

A Congregação para a Doutrina da fé deveria ser ajudada por comissões internacionais de peritos escolhidos independentemente em função de sua competência profissional. Essas não são todas as mudanças necessárias. Devemos considerar ainda que a implementação dessas revisões estruturais exigem uma elaboração detalhada e relacionada com as possibilidades e com as limitações das circunstancias presentes e futuras. Destacamos porém que as reformas sintetizadas a cima são urgentes e a sua concretização deveria iniciar-se imediatamente.

O exercício da autoridade na nossa Igreja deveria seguir o padrão de abertura, responsabilidade e democracia encontrados na sociedade moderna. A liderança deveria ser correta e confiável, inspirada na humildade e no serviço, com uma transparente solicitude para com o povo, em vez de se preocupar com as normas e a disciplina; anunciar Jesus Cristo que liberta; ouvir o espirito de Cristo que fala e age por meio de todos e de cada um".

Dom Pedro Casaldáliga envia poema a Bento XVI e a cardeais






De Pedro do Araguaia para o Pedro de Roma:

“Deixa a Cúria, Pedro”

Deixa a Cúria, Pedro,

Desmonta o sinedrio e as muralhas,

Ordene que todos os pergaminhos impecáveis sejam alterados

pelas palavras de vida, temor.

Vamos ao jardim das plantações de banana,

revestidos e de noite, a qualquer risco,

que ali o Mestre sua o sangue dos pobres.

A túnica/roupa é essa humilde carne desfigurada,

tantos gritos de crianças sem resposta,

e memória bordada dos mortos anônimos.

Legião de mercenários assediam a fronteira da aurora nascente

e César os abençoa a partir da sua arrogância.

Na bacia arrumada, Pilatos se lava, legalista e covarde.

O povo é apenas um “resto”,

um resto de esperança

Não O deixe só entre os guardas e príncipes.

É hora de suar com a Sua agonia,

É hora de beber o cálice dos pobres

e erguer a Cruz, nua de certezas,

e quebrar a construção – lei e selo – do túmulo romano,

e amanhecer

a Páscoa.

Diga-lhes, diga-nos a todos

que segue em vigor inabalável,

a gruta de Belém,

as bem-aventuranças

e o julgamento do amor em alimento.

Não te conturbes mais!

Como você O ama,

ame a nós,

simplesmente,

de igual a igual, irmão.

Dá-nos, com seus sorrisos, suas novas lágrimas,

o peixe da alegria,

o pão da palavra,

as rosas das brasas…

… a clareza do horizonte livre,

o mar da Galileia, ecumenicamente, aberto para o mundo.